terça-feira, 28 de junho de 2011

Multinacionais do passado

Já abordamos a temática dos nações sem selecção, exemplificando algumas possibilidades de equipas nacionais que lutariam por posições dignas no universo qualificativo de UEFA e FIFA! Neste caso, vamos fazer o papel inverso, identificar um grupo de atletas que representou internacionalmente mais do que um país, prática corrente em quase todo o século XX e utilizado especialmente por italianos para reforçarem a 'squadra azzurra', baseados nos antepassados transalpinos dos grandes valores sul-americanos.

Existem centenas de nomes que defenderam as cores de mais do que uma selecção nacional. Desde logo, o desmembramento da União Soviética, da Jugoslávia, da Checoslováquia, a anexação de territórios pela Alemanha nazi e utilização de jogadores na máquina promocional de Hitler, entre outras situações, levaram a que um sem número de futebolistas tenham jogado por uma, duas ou três selecções distintas, mas optou-se por não os colocar neste onze!

De acordo com notícias surgidas na antiga União Soviética, Michel Platini, actual presidente da UEFA, chegou a actuar num jogo com a camisola do Koweit, em 1988, num particular frente à URSS!

De fora ficaram Raimundo Orsi, avançado italo-argentino, que brilhou ao serviço de Independiente, Juventus, Boca Juniors, Platense, Flamengo ou Peñarol, Julio Libonatti, que actuou no Newell's Old Boys, no Genoa e no grande Torino, Alcides Ghiggia, italo-uruguaio, que jogou no Peñarol, AS Roma, Milan AC e Danubio, Eulogio Martínez, hispano-paraguaio, que defendeu as cores de Libertad, Barcelona, Atlético Madrid e Europa, José Altafini, italo-brasileiro, jogador de Palmeiras, Milan AC, Nápoles e Juventus ou Alejandro Scopelli, italo-argentino, que jogou no Estudiantes, AS Roma, Racing Avellaneda, Belenenses, Benfica e Universidad Chile, apenas para citar alguns!


Ao montar uma selecção deste calibre e destas gerações, é inevitável utilizar um dos sistemas que alteraram o jogo, por exemplo, o WM, com uma ou outra adaptação! Os dados que acompanham os nomes referem-se às selecções representadas, ao período no activo a nível sénior e os principais clubes representados.

Rudi Hidden foi o melhor guarda-redes da sua geração, extraordinário ao ponto do famoso Herbert Chapman, um dos transformadores do jogo, o ter tentado contratar para o seu Arsenal! Hiden actuou na famosa selecção austríaca dos anos 20 e 30, a 'wunderteam' de Hugo Meisl, ou equipa maravilha, equipa esquartejada pelas forças de Hitler, com alguns dos atletas a passarem a defender as cores da Alemanha, os de origem judia, da famosa equipa Hakoach Viena, foram enviados para campos de concentração, à excepção dos que conseguiram chegar à Suíça ou a outros territórios neutros, e Hiden foi para a França, jogando mesmo pela selecção francesa num amigável frente a Portugal em Janeiro de 1940!

Na defesa, Santamaría, famoso defesa do Real Madrid onde fez o tetracampeonato europeu, marcando presença no mundial de 1954 pelo Uruguai, quartos classificados, e em 1962 pela Espanha, ou seja, jogou um Campeonato do Mundo na Europa com as cores de uma selecção sul-americana e depois foi defender uma selecção europeia no Mundial do Chile! No conjunto, ganhou cinco títulos uruguaios com o Nacional e seis espanhóis com o Real Madrid.

Hector de Bourgoing, descendente de diplomatas franceses, mas nascido na Argentina, um avançado que também sabia defender, defendeu as cores gaulesas no Mundial de 1966, tendo ganho um título argentino com o River Plate, consta que poderia ter ido mais longe na sua carreira de jogador, tendo sido tapado, em parte, pelo brilhantismo de Sívori.

No lado esquerdo da defesa, o senhor Ernesto Mascheroni, campeão do mundo pelo Uruguai em 1930, vencedor de três títulos nacionais com o Peñarol Montevideu, que depois rumou a Itália, com passagem pelos argentinos do Independiente pelo meio, defendendo as cores da Ambrosiana (actual Inter Milão) e jogando por Itália, onde ganhou a Copa Internacional, antecessora do Europeu de futebol, em 1935.

Monti era apelidado de 'doble ancho', dobro da largura, pela forma como ocupava o campo. Actuou no primeiro Mundial organizado, com as cores da Argentina, em 1930, sagrando-se vice-campeão, repetindo a prata dos Jogos Olímpicos de 1928, mas alcançou o campeonato do mundo em 1934, já ao serviço de Itália. O jogador passou pelo Huracán, Boca Juniors, San Lorenzo e Juventus, ganhou oito títulos nacionais, um pelo Huracán, três pelo San Lorenzo e quatro pela Juventus.

Renato Cesarini é um dos fenómenos do início de século que nos confirma o quanto a história se repete! Hoje vemos massas migratórias a vascularem de um local para outro, como o faziam no passado. Cesarini nasceu em Itália mas acompanhou a família, quando ainda era criança, em busca de uma vida melhor. Cresceu em Buenos Aires e aí se fez jogador, estreando-se na divisão principal ao serviço do Chacarita Juniors. Depois de Chacarita, passou pelo Ferro Carril, pela Juventus, onde alcançou cinco títulos nacionais, terminando a carreira no River Plate. Apesar de médio, tinha o hábito de marcar golos nos últimos minutos, tanto que ainda hoje na Argentina existe a 'zona Cesarini', remetendo para os últimos momentos das partidas. O centrocampista jogou pela Argentina e pela Itália, ainda que não tenha obtido títulos nas selecções.

Soluções para o ataque não faltariam a esta equipa de sonho, colocando-se Roberto Porta à esquerda, um jogador de destaque, que defendeu as cores de Uruguai e Itália, vencendo a Copa América de 1942, com mais dois segundos lugares, realizando um jogo por Itália em 1935, antes de jogar pelo Uruguai, no título europeu dos transalpinos. Obteve o pentacampeonato ao serviço do Nacional Montevideu (1939-43), ao que adicionou um sexto triunfo. Na passagem por Itália actuou ao serviço do Ambrosiana.

Juan Schiaffino fica colocado na direita, o que foi considerado pela Federação Internacional de História e Estatística de Futebol (IFFHS) como o melhor jogador uruguaio da história era fabuloso, com uma técnica e habilidade acima da média, destacando-se ainda pela sua visão de jogo e inteligência táctica com que geria a partida. No começo, aliou o futebol com o trabalho de padeiro. Chegou ao Peñarol com 18 anos e começou logo a fazer furor, era chamado o chefe da 'esquadrilha da morte', a frente de ataque da equipa. Estreou-se na selecção principal uruguaia com 19 anos na copa América e sagrou-se campeão do mundo na mais famosa final, a do Maracanã de 1950. 'Pepe', como também era conhecido, brilhou também no Mundial de 1954, onde a sua selecção caiu nas meias-finais aos pés de uma das maiores selecções da história, a Hungria de Puskas. Esta prestação valeu-lhe, à altura, a transferência mais cara da história do jogo, com o Milan AC a pagar 103 mil euros pela sua aquisição.
Cesare Maldini, seu companheiro da altura, descreveu-o como alguém com "um radar no lugar do cérebro". A voz de Schiaffino era tal no Milan que foi ele quem avalizou a aquisição de Rivera para o clube, tendo também chegado ao selecção transalpina. Sagrou-se quatro vezes campeão com o Peñarol e três vezes com o Milan AC, além de vencer uma taça latina com os milaneses e uma taça UEFA com a AS Roma.






Depois, três lendas do jogo. Ladislao Kubala, que defendeu as cores de Checoslováquia, da Hungria, de Espanha e que também jogou pela Catalunha, foi um dos melhores jogadores de todos os tempos. Provavelmente, está no top 10 dos melhores batedores de bolas paradas da história. Kubala estreou-se no Ferencvaros, fugindo para a Checoslováquia durante a segunda guerra mundial e actuando pelo Slovan Bratislava, mas regressando posteriormente ao país natal para actuar no Vasas Budapeste. Fugiu à cortina de ferro, passando a fronteira austríaca num camião com matrícula soviética, sem que ninguém soubesse, para não comprometer a família. Após fugir para o Ocidente, com outros companheiros, fundou a equipa Hungaria, depois de ter passado por um campo de refugiados em Itália, onde apenas conseguiu jogar no Pro Patria, dada a suspensão de um ano imposta pela FIFA, a pedido magiar, pela fuga.
A equipa Hungaria brilhou em toda a Europa Ocidental e na América do Sul, sendo mesmo comparada aos Harlem Globetrotters, pela beleza e espectacularidade que colocavam em campo, afinal eram dissidentes húngaros, que já haviam composto a melhor selecção mundial da altura. Esteve pertíssimo de assinar pelo grande Torino, não se concretizando o negócio para sua fortuna, pois esta equipa sofreu a tragédia de Superga, onde morreram todos os seus membros no regresso de um jogo com o Benfica.
No périplo da Hungaria passaram por Barcelona, o que mudou a sua vida, com Samitier a ficar siderado com o talento e a contratá-lo de imediato, era o início de 12 belos anos com os 'blaugrana', com 349 jogos e 270 golos, incluíndo sete numa partida apenas, o que é um recorde em Espanha, quatro títulos nacionais, cinco taças, uma taça latina, duas taças das cidades com feiras e um mundial de clubes!
Diz-se que o Barcelona construiu o Camp Nou porque não tinha um campo com capacidade suficiente para albergar todos os que queriam ir ver o fantástico jogador, apesar do Les Corts, antigo campo da equipa, ter na altura uma lotação de 60 mil lugares!


Kubala fugiu da Hungria mesmo antes do início da caminhada dos magiares para a história, com a aranycsapat, mas Ferenc Puskas esteve no epicentro da mesma. O major galopante, como ficou conhecido dada a sua patente militar no exército da Hungria, estreou-se na principal equipa do Kispest, conhecido hoje como Honved, pela mão do pai, também ele antigo jogador, com 16 anos. Aqui ganhou cinco títulos nacionais e foi o melhor marcador nacional três vezes. Foi campeão olímpico em Helsínquia, 1952, perdendo polemicamente o campeonato mundial de 1954, na final com uma RFA dopada. Com um pé esquerdo temível, tinha uma velocidade fantástica e um remate estrondoso, sendo considerado mesmo o goleador do século XX pela IFFHS.
A invasão soviética da Hungria em 1956 foi o sinal para emigrar, o que fez, com outros companheiros, e dedicar-se a fuzilar redes espanholas, o que fez com primor, contribuíndo para grandes alegrias madrilistas. Ao todo, ganhou 10 campeonatos divididos por Honved e Real Madrid, uma taça espanhola, três taças dos campeões e foi considerado o melhor futebolista da Hungria.
Era um verdadeiro talento, a par de Czibor, Hidegkuti, Kocsis, Grosics e Boszik, além de Kubala, o que os torna, talvez, na melhor geração conjunta da história do jogo. Não foi à toa que alcançaram 31 jogos seguidos sem derrota, com a final do Mundial de 1954 a terminar a série, mas cujo primor continuou até aos 50 jogos, 42 vitórias, 7 empates e essa derrota, mais de quatro anos sem perder!!! Esta selecção, sem o Kubala realce-se, foi 'apenas' a primeira continental a bater a Inglaterra no seu terreno, e fê-lo por expressivos 3-6!

Diz-se que devemos guardar o melhor para o fim. Alfredo di Stéfano é unanimemente considerado como um dos cinco melhores jogadores da história, aponta-se mesmo o seu nível idêntico ou superior aos de Pelé e Maradona, limitado apenas por ter aparecido no tempo antes da televisão para as massas! Alcunhado de 'saeta rubia', flecha loura, era um avançado poderoso, versátil, de grande visão, que podia jogar em quase todo o lado dentro do campo. Pelo Real Madrid marcou 216 golos em 282 jogos. Pelé, Luis Suarez, Sandro Mazzola ou John Charles, entre outros, consideram-no como o jogador mais completo da história do futebol, e não há melhor opinião do que a destes 'monstros' da bola.
Estreou-se no River Plate com 17 anos, em 1945, sendo emprestado ao Huracán no ano seguinte, mas logo retornando ao seu clube de coração na Argentina. Uma greve no país levou-o à Colômbia, onde actuou pelo Millonarios Bogotá, ao todo ganhou dois títulos no River Plate e foi tricampeão no Millonarios. Pelo Real Madrid alcançou oito campeonatos nacionais, cinco taças dos campeões e uma taça intercontinental, a que se junta a Copa América de 1947, ainda com as cores da Argentina.
Na selecção espanhola não foi afortunado, falha nos apuramentos, lesões, impediram-no de marcar presença em qualquer fase final de um Mundial. É, com certeza, o melhor jogador da história a nunca ter disputado um Campeonato do Mundo! Alfredo di Stéfano, filho de emigrantes italianos da ilha de Capri, sagrou-se melhor marcador argentino por uma vez, três ocasiões na Colômbia e foi 'pichichi' de Espanha em cinco épocas!
Este é um onze de sonho!


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