domingo, 14 de fevereiro de 2021

Um desgoverno desportivo


 Não é novidade o desprestígio a que é votado o desporto pelas elites portuguesas, apenas se associam a alguns eventos mediáticos para fins eleitoralistas e de posicionamento aos olhos da população. A definição e execução de reais medidas de desenvolvimento, de defesa, de apoio, não existe, continua parca, tão inútil quanto o 'livro branco do desporto', um claro movimento político promocional que não alterou nada, nem redundou em ações e/ou alterações reais ao universo desportivo português.

Esta pandemia está a criar um enorme problema no mundo, mas os próximos anos, porque a sociedade ocidental, que regula o comportamento global, continua a pensar a curto prazo, trarão maiores males, ainda não analisados e de todo antecipados. Os profundos problemas do foro mental serão uma enorme dor de cabeça, haverá um crescimento elevado de problemas de índole respiratório e parece que quase ninguém observa o que sucedeu há 100 anos, aquilo que iniciou o sucesso do método Pilates, quando o criador, um professor polaco, percebeu que nem uma única pessoa que fazia as suas aulas e lições foi tocada pela gripe espanhola... mens sana in corpore sano ganha bem mais sentido.

Devemos respeitar e não desdenhar esta maleita, porém percebe-se que este parar do mundo é manifestamente exagerado em face à letalidade do vírus, bem menos preocupante que, por exemplo, o Ébola, que nunca criou o alarmismo que se observa, talvez por se confinar em grande medida a África, ao terceiro mundo, mais uma vez ilustrando a hipocrisia que existe no Ocidente e nas principais organizações mundiais.

Em Portugal, o desenrasca da primeira fase pandémica foi bem-sucedido, com comendas de todo o lado para o sucesso luso. Todavia, quando há uma necessidade de precaver, de delinear estratégias, de planear, o país continua a mostrar-se terceiro-mundista, sem capacidade para estabelecer, definir e executar planos.

O desporto é um parente pobre no país. Continuamos a ser o país no primeiro mundo com o menor índice de prática desportiva, não existe uma estruturação do desporto escolar, que deveria existir de forma piramidal e bem definida, desenvolvido em paralelo, integrado e em interação com as autarquias e as agremiações desportivas locais, não com o propósito de criar apenas atletas de elite, que podem surgir em qualquer situação, mas com o objetivo de desenvolver uma sociedade de cultura desportiva, mais ciente do seu corpo, mais saudável, sem correr para as urgências a cada espirro.

Não existem apoios, não há planos, apenas se suspenderam as competições, votam-se os jovens ao abandono desportivo, aos piores hábitos possíveis, o sedentarismo, o vício dos videojogos, sem que o governo português sequer considere soluções, que deveriam ter sido já encontradas, desde logo criando, em cooperação com as federações, associações distritais, clubes e autarquias, pequenos torneios regionais ou locais no final do verão e durante o outono, enquanto houve bastante liberdade de circulação e ação, em clusters competitivos limitados geograficamente, pois aí há sempre coabitação escolar, ou seja, os perigos de contágio e afins estariam sempre mitigados e mais controlados, sempre com a existência de testes regulares, algo que também continua distante do que deveria ser realizado.


 Nada foi precavido e continua a perceber-se que não existem quaisquer planos, aliás, o governo português opta por fechar múltiplas instalações desportivas, num país em que as infraestruturas abertas ao público em geral são também em número bastante inferior ao da média europeia.

Acresce a triste curiosidade do desporto em Portugal continuar a não ser observado como cultura. Desporto não é cultura para os políticos portugueses e para as elites culturais. Notam-se muitas exigências de apoios, já foram distribuídos milhões de euros para várias áreas, onde se inclui a cultura - e nada contra, é bem necessário, porém as federações, associações e agremiações desportivas seguem longe desses apoios, como se tudo estivesse a decorrer normalmente. A questão volta a colocar-se numa fase de confinamento obrigatório, mas já havia surgido em junho passado e nada fez este governo, governo e oposição, nada fez o governo liderado por António Costa, nada fez a Assembleia da República, nada fez o Presidente da República, nada fez a Direção-Geral de Saúde, nada fez a Ordem dos Médicos, ninguém da política e de outras áreas com maior responsabilidade nesta altura sai ileso, pois continua a preferir-se, aparentemente, o lixo mediático que se observa, continua a querer-se uma sociedade obesa, opta-se por ignorar, mesmo que o peso dos gastos na saúde pública continue a crescer desenfreadamente nos orçamentos de Estado.

O passeio higiénico é uma anedota. Exige o Estado que se o faça, caminhada ou corrida, junto à residência, mesmo que não existam condições mínimas para tal, impedindo a ida a uma marginal com largas calçadas e ar bem mais puro. Entende-se o exemplo que se quer preconizar, mas a saúde mental e física continua a sofrer fortemente com estas limitações, até porque está provado que não é daí que advêm contágios, de todo!

Não há desporto jovem, não existem planos para que se retome o mesmo, aliás, nem um secretariado de Estado de desporto real e efetivo, que aja, que apresente soluções, se vê! 

No desporto sénior também permanecem os mesmos problemas de há anos, décadas. Continua a não existir um regime contributivo especial para o desporto amador ou semiprofissional, algo que asseguraria um encaixe significativo ao Estado e permitiria a todos uma maior transparência e legalidade, ao invés dos milhares de pagamentos mensais realizados sem recibos, sem controlo, sem taxação estatal... Parabéns a um Estado mal-organizado, pessimamente gerido, sem capacidade e competência organizacional, conivente com más práticas e incapaz de regular e fiscalizar para o bem ou o melhor da maioria!

O futuro do desporto em Portugal afigura-se cada vez mais negro. Se nada for realizado no imediato é uma geração que se perde, no curto prazo, e várias a médio prazo, pois não é apenas culpa da pandemia o estado das coisas no país, a falta de dinâmicas, a alteração dos hábitos, o respeito e a integração do desporto como fenómeno cultural que é, também, a certeza de que o investimento estruturado no desporto escolar e jovem assegurará cinco a dez vezes esse valor em poupança futura na saúde!

Está na hora de agir e de mudar!