segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Campeões ignorados

 Sem surpresa, o feito de António Félix da Costa, a vitória de Filipe Albuquerque, a melhor prestação de Miguel Oliveira e mais um belo desempenho de João Almeida e de Rui Costa no ciclismo, passam despercebidas nos media portugueses.

Os jornais desportivos continuam a entender como mais relevante a pré-temporada, as possíveis contratações ou novas chegadas, comparativamente com um título mundial numa competição em crescimento e que é um reflexo de mudanças na sociedade, a Fórmula E, eléctrica, espelha a transição que se verifica no mundo automóvel e o feito de António Félix da Costa merecia bem mais do que um rodapé um rodatecto ou uma caixa lateral em primeira página, é A NOTÍCIA do dia, desportivamente falando.

O argumento defendido pelos responsáveis editoriais é o mesmo há décadas. Não vende, não vende, não vende... mas as vendas continuam a cair abruptamente, acima das concorrências internacionais, por isso tal mereceria mais profunda reflexo. 

É verdade que não passa completamente despercebido o título de 'Formiga', mas são Lyanco, Cebolinha ou Marchesín mais relevantes em termos noticiosos e de vendas? Serão mesmo? O orgulho português ignora o sucesso? Seremos assim tão diferentes dos outros países? A resposta é simples, não. Fossem invertidas as escolhas e as vendas seriam superiores, no mínimo seriam idênticas, mas dificilmente tal aconteceria, basta verificar o apoio dos fãs a António Félix da Costa, a competir contra brasileiros, alemães, britânicos, franceses, é sempre o mais votado pelos fãs... não é difícil alcançar uma simples conclusão, há muitos adeptos em Portugal para o 'Formiga', certamente não vence com a família apenas!

 

Mais um triunfo de Filipe Albuquerque no European Le Mans Series também será mero referencial algures nas curtas páginas dedicadas às modalidades e volta a ser muito curioso notar como se coloca a par o 6º lugar de Miguel Oliveira e o título de António Félix da Costa. Faz lembrar aquele domingo, segunda nas bancas, de Setembro de 2013, com o primeiro título português no ATP, por João Sousa, e o título mundial de ciclismo de Rui Costa, os dois feitos notáveis para o desporto nacional, mas distintos no seu impacto e importância internacionais.

Há muitos anos que se observa uma clara incapacidade de interpretação o desporto em termos 'macros' nos media especializados portugueses, nos tradicionais pelo menos. Passa ao lado dos jornais desportivos cada feito no ténis, o que vai acontecendo na NBA, o impacto do ciclismo, mesmo que sejam modalidades bastante procuradas pelos portugueses, ou seja, noticiáveis e de grande relevância mediática. Há uma obsessão enraizada, a 'triclubite aguda' domina as decisões e não passa pela cabeça de nenhum alterar isso, não terminar, simplesmente mexer com as águas, experimentar algo diferente, sem abdicar desse tão importante trio de clubes, mas abrindo os horizontes a outras possibilidades, o que abriria o espaço e o interesse a centenas de milhares, mesmo milhões de portugueses que não têm assim tanta curiosidade pelo possível enésimo reforço, até porque se ela existe já foi alimentada por pesquisas online.

https://www.fiaformulae.com/en/news/2020/august/berlin-round-9-race 

Para que se compreenda a pouca relevância oferecida pelos media portugueses ao tamanho feito de António Félix da Costa, basta ver que nos canais de notícias, SIC Notícias,  TVI24, CMTv e RTP 3, a entrada do desporto, feita esta manhã com... o regresso ao trabalho, à pré-época, do Benfica! Para cada um dos responsáveis do desporto, da informação ou da edição a retoma em pré-temporada de Benfica é mais importante, é mais notícia do que um título mundial português no desporto motorizado, é mais notícia do que a melhor prestação de sempre de Miguel Oliveira, é mais notícia do que o triunfo de Filipe Albuquerque, que nem notícia é.

Já se conhece o constante contra-argumento... nada vende além disso! Mas isto vende mesmo? Nota-se aumento nas vendas e nas receitas publicitárias? E os apoios ao automobilismo e motociclismo? As marcas que se associam aos desportistas portugueses não estariam mais inclinadas a investir se houvesse maior destaque a estes? Sem conotação clubística, apenas com a ligação à vitória, ao sucesso e ao país? Fica para cada um tirar as suas ilações.

Daqui endereçamos mais uma vez os parabéns a António Félix da Costa e aos restantes desportistas portugueses. Eles, sim, podem quase argumentar que, no que aos media diz respeito, contra tudo e contra todos continuam a ganhar e a ter atenção dos adeptos!


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